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“A voz das águas” de Leila Aboulela

Existem livros que causam um impacto fortíssimo em quem os lê, seja pelos seus personagens, pelo contexto histórico, político ou social de uma determinada época, seja pela profundidade das emoções que eles nos despertam. Bem, não foi à toa que A voz das águas, de Leila Aboulela, foi listado entre os melhores romances históricos pelo New York Times e ter sido vencedor do Caine Prize for African Writing.

Neste artigo, vamos conversar um pouquinho sobre esse enredo.

O enredo

A voz das águas” nos leva até o Sudão do final do século XIX, pelos olhos de uma menina de dez anos chamada Akuany, que é vendida como escrava em um período turbulento da história do país.

Nesse cenário, uma revolução contra o domínio do Império Otomano é liderada por um homem que se autoproclama profeta redentor enviado por Alá. Em meio a esse conflito sangrento, que marcou profundamente a trajetória do Sudão, o destino de sete pessoas acaba se entrelaçando de formas inesperadas, enquanto tentam encontrar maneiras de sobreviver a uma violência que escapa aos registros da história e de se manterem fiéis àquilo em que acreditam.

A relação com as águas

Akuany é uma personagem que se destaca nesse enredo por sua relação íntima com as águas do rio Nilo Branco. Há trechos que nos tocam pela profundidade das emoções evocadas por meio dessa personagem que, em sua extrema pureza, não se permitiu ser corrompida pelo caos que a cercava.

Abaixo, selecionei alguns trechos marcantes:

O rio era seu idioma. Akuany, de onze anos, estava com os pés na parte rasa, cantarolando para o Nilo, escutando o que a água dizia, acreditando (...) O rio era um lugar onde buscar água e lavar as coisas, onde pescar e navegar, mas para Akuany era ainda mais, era o espírito de quem ela era. Era o lugar que a mantinha em segurança quando invadiam a aldeia.

Para sobreviver, Akuany teve que deixar uma parte de si para trás — e essa parte era o rio, que continuava no mesmo lugar, mas cujas águas já não eram as mesmas com o passar do tempo. Aquele rio que havia se tornado sua família quando a sua fora destruída; o mesmo rio que sempre tinha tanto a lhe dizer enquanto a acolhia. Ele também era o retrato de sua identidade, uma forma de resistência a tudo o que ela também fora submetida.

Logo ao chegar, o rio - enorme e rítmico - a reivindicara. Depois de anos no deserto, ela se sentiu acolhida pelas águas, sabendo que seria uma companhia infinita; aquela que corria sem esforço, que dava sem pedir, que nunca cessava de cantar as melodias antigas que ela ouvira na infância, as canções que ansiara ter e ouvir, que só entendera em parte, mas isso não importava, porque ouvir era mais importante. Teria seu próprio tempo para tentar entender, no dia seguinte ou no dia depois, ou depois ainda: o rio ainda estaria ali para ela, forte e paciente, denso e sempre fluindo na mesma direção.

Akuany enfrenta inúmeras adversidades — desde ser vendida como escrava e traída por seu melhor amigo, até passar fome e sede em meio ao deserto. Ao se apaixonar, é impedida de viver um grande amor. Ela era como o rio: o mesmo em essência, mas cuja correnteza insistia em levá-la a outros mares.

Nota sobre a edição

A edição lida pertence ao clube da TAG Inéditos, em parceria com a HarperCollins, com tradução de Gabriela Araujo. Conta com 272 páginas narradas com maestria por Leila Aboulela, por meio de sete vozes distintas — todas em primeira pessoa, exceto a de Akuany, cuja história é contada em terceira pessoa.

Ao final do livro, há um glossário com palavras que ajudam a acompanhar melhor a cultura sudanesa, o que contribui significativamente para a compreensão dos termos utilizados ao longo da narrativa.

O livro ainda não possui edição disponível fora do clube. Então, se você quiser experimentar como é receber um título traduzido especialmente para os assinantes da TAG Inéditos, convido você a clicar no botão abaixo:

A autora

Leila Aboulela nasceu na cidade do Cairo, no Egito, e cresceu em Cartum, capital do Sudão, mas aos vinte anos mudou-se para Aberdeen, na Escócia. É autora de cinco romances, além de ser a primeira ganhadora Caine Prize for African Writing e ter obras traduzidas para mais de quinze línguas, ela foi selecionada três vezes para o Orange Prize for Fiction.

Confira a resenha no canal

Para complementar sua experiência, recomendo que você também assista ao vídeo abaixo:

A voz das águas é uma excelente indicação de leitura para quem deseja conhecer um pouco da história do Sudão mas também, para entender a diferença entre fé e fanatismo religioso mas, acima de tudo, para se permitir navegar no próprio rio de suas emoções.

Um abraço literário e até o próximo post.

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