A primeira vez que fiz um desenho, eu tinha apenas quatro anos. Com o passar do tempo, os traços foram melhorando, ainda que de forma tímida.

No entanto, após me formar na faculdade e conseguir o meu primeiro emprego, deixei o lápis de cor de lado, e o papel ficou em branco.

A vida adulta era corrida demais e não sobrava tempo para desenhar.

O mesmo aconteceu com o violão, esquecido em um canto de um quarto desocupado. A voz também se perdeu no silêncio, como se tivesse receio de existir. O corpo perdeu a fluidez porque já não sabia mais como dançar.

Será que, com o tempo, também paramos de sonhar?

Sempre que encarava o reflexo no espelho, via resquícios de uma artista reprimida. Uma voz insistente dizia: 

“Não cante, não dance, não desenhe, não escreva, não seja.“

Quem foi essa voz que me calou?

Quem foi essa voz que disse que eu não deveria ser quem sou?

Que voz é essa que me impede de sentir?

Até que um dia, tomada pela angústia da própria inexistência, a alma gritou tão alto que o coração conseguiu ouvir.

O espelho se quebrou e, entre os fragmentos, cada estilhaço era uma parte de mim que eu havia esquecido que existia.

Foi preciso coragem para encarar o reflexo despedaçado e admitir que a artista oculta sempre esteve escondida em cada estilhaço.

Assim como um espelho que se despedaça, o artista também se fragmenta. Em meio ao caos dos pedaços, ele enxerga um mosaico de possibilidades que reflete sua verdadeira essência.

A arte é o reflexo daquilo que sempre esteve em nós, mas que, por vezes, nos esquecemos.

Portanto, não tenha medo do que os outros vão dizer, nem de acreditar na sua arte, seja ela qual for.

Alguém precisa acreditar, mesmo que seja apenas nós mesmos.

Afinal, a arte nos recorda de que existe algo maior, visto que ela sempre nos transcende.

Ou nas palavras de Ferreira Gullar:

“A arte existe porque a vida não basta.”