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FERNANDO PESSOA – VÁRIOS “EUs” EM UM SÓ

Fernando Pessoa foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português.

Como poeta, Fernando escreveu sob vários heterônimos, além de ter traduzido várias obras em inglês, como as de Shakespeare e Edgar Allan Poe.

Conheça um pouco mais sobre o autor mais importante do modernismo português.

Fernando

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, Portugal, em 13 de junho de 1888. O filho de Joaquim de Seabra Pessoa, que era crítico musical, e de Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, ficou órfão de pai aos 5 anos de idade.

Seu padrasto era o comandante militar João Miguel Rosa, que foi nomeado cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. Por esse motivo, Fernando Pessoa foi à África do Sul, onde recebeu educação inglesa no colégio de freiras e na Durban High School.

Fernando Pessoa.

Carreira

Em 1903, Fernando se candidata à Universidade do Cabo da Boa Esperança e recebe o Queen Victoria Memorial Prize

Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Ali, ele aprofunda a sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Também escreve poesia e prosa em inglês, nas quais surgem os heterômios Charles Robert Anon e H. M. F. Lecher. 

Por fim, encerra os seus bem-sucedidos estudos na África do Sul com o Intermediate Examination in Arts, na Universidade, obtendo uma boa classificação.

Em 1905, ele regressa a Lisboa e se matricula na Faculdade de Letras, porém deixou o curso no ano seguinte. Ele também acaba recusando vários empregos em busca de ter mais tempo para se dedicar à leitura e à escrita. 

É então que em 1908 passou a trabalhar como tradutor autônomo em escritórios comerciais.

Em 1912, Fernando Pessoa estreou como crítico literário na revista “Águia” e como poeta em “A Renascença” (1914). A partir de 1915 liderou o grupo mentor da revista “Orpheu”, entre eles, Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, Luís de Montalvor, Almada-Negreiros e o brasileiro Ronald de Carvalho.

A revista foi a porta-voz dos ideais de renovação futurista desejados pelo grupo, defendendo a liberdade de expressão, numa época em que Portugal atravessava uma profunda instabilidade político-social da primeira república. Nessa época, ele criou os seus principais heterônimos.

 

Durante a duração da revista Orpheu, Fernando Pessoa publicou poemas que escandalizaram a sociedade conservadora da época. Os poemas “Ode Triunfal” e “Opiário”, escritos sob o heterônimo Álvaro de Campos, provocaram reações violentas levando os “orfistas” a serem apontados, nas ruas, como loucos e insanos.

Os vários "Eus" de Fernando Pessoa

Os heterônimos, diferentemente dos pseudónimos, são personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original. 

Entre os heterônimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortônimo, mesmo sendo a personalidade original. 

Os três heterônimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto heterônimo muito importante na obra de Pessoa é Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego, grande obra literária do século XX. 

Bernardo é considerado um semi-heterônimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e não possuir uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros, que possuem até mesmo data de nascimento e morte (exceção para Ricardo Reis, que não possui data de falecimento). Por essa razão, José Saramago, laureado com o Prêmio Nobel, escreveu o livro O ano da morte de Ricardo Reis.

Fernando e seus Eus.

O poema mais reconhecido

Aqui encontramos uma série de denúncias às máscaras sociais, à falsidade e à hipocrisia vigente. O eu-lírico confessa ao leitor a sua inadaptação diante desse mundo contemporâneo que funciona baseado nas aparências.

O poema lança um olhar sobre o próprio sujeito poético, mas também sobre o funcionamento da sociedade portuguesa onde o autor estava inserido.

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

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