Estive conversando com a cantora e compositora Carla Cruz, depois de ver sua entrevista no Canal Musicalia (inclusive, vale a pena conferir esse material todo, tanto do canal quanto as músicas da artista no Spotify). Ela me apresentou suas canções, e confesso que gostei bastante. Mas uma me chamou muito a atenção pela conexão que tem com a rotina do trabalhador brasileiro. No “Xote do Enxotado”, Carla é cirúrgica em contar os intermináveis dias do trabalhador, que sempre sai lascado da correria e da falta de “pila”.
“A gente vive trabalhando o ano inteiro / Sai Janeiro, vem Janeiro / E eu só no mesmo lugar”. Me diz você aí: quantos de nós não nos identificamos com esse início da música? Quantos de nós não conseguimos dar entrada num apartamento, num carro, fazer aquela viagem que sempre almejamos? É se lascar o ano todo e ainda não ter os pilas pra nada, mal e mal pra pagar as contas e, se der, comprar algo pra si, afinal, “Mal eu compro uma besteira / Lá se vai o meu salário”. E, a depender do tamanho da besteira, o salário vai rapidinho e o mês parece uma eternidade e meia pra acabar (às vezes, 30 dias parecem 150).
“Há tempos eu estou com essa pedra no sapato / Há tanto que nem percebi que estava sem um braço”. Correria de pegar ônibus, ir pro trabalho, bater metas, aguentar chefe dando esporro, cuidar da casa, contas, filhos e, muitas vezes, tentar estudar, isso faz com que a pessoa esqueça de tudo, que nem consiga ver o que está se passando debaixo do nariz. Perde o braço e nem nota, vai fazendo com um e só vê uma semana depois. Moro em cidade pequena e confesso que aqui não existe tanto essa loucura do dia a dia. Porém, amigos meus de cidades maiores e capitais relatam que a vida é maluca. Duas horas pra chegar no serviço, mais duas pra voltar pra casa, comer, tomar banho. Lasqueira que não tem fim.
“Eu só queria mais amor, mais esperança / Dar estudo pras crianças / E provar a minha fé”. No fundo, a meta de todo trabalhador é esta: dar uma vida melhor pros filhos, fazer com que a vida da juventude não seja tão lascada quanto a dos pais. Dar um futuro digno e sem sofrimento, correria, loucura. Uma vida tranquila, para que esses jovens possam desfrutar do bom e do melhor (coisa que os pais, provavelmente, não tiveram). Todo pai e toda mãe sonham com algo melhor pros filhos, não há dúvidas; por isso, aguentam a lasqueira de todos os dias.
Dessa forma, o “Xote do Enxotado” é uma música autenticamente brasileira, que fala da realidade de todos que acordam às 5h da matina pra pegar busão, batem ponto e suam pra ganhar o pão de cada dia. Ela retrata o suor da labuta e as dificuldades que o trabalhador passa, os perrengues, a falta de dinheiro e a vontade que passamos de comprar um “mimo” por conta de o salário ser curto e os boletos sempre chegarem no final do mês (e eles não perdoam).