Ler Pra Quê?

Palavra & Prosa: conversa com o escritor Octavio Caruso

Octavio Caruso (Rio de Janeiro, 1983) é um cineasta, escritor, ator e crítico de cinema. Com sete curtas-metragens no currículo (como Übermensch e Verdade?), dirigiu grandes nomes do cinema brasileiro e integrou festivais internacionais no Brasil e em Portugal. Autor de quatro livros, entre eles Devo Tudo ao Cinema e o recente 8 Passos Para a Reconstrução da Esperança (2025), atua também como crítico independente em seu blog homónimo, após passagens por veículos como o Jornal do Brasil. No teatro, iniciou a sua trajetória em 2002.

Guilherme Mossini Mendel: Quem é Octavio Caruso? Como você se apresenta e se define para o público?

OC: Eu nasci em 5 de novembro de 1983, no Rio de Janeiro. Sou um apaixonado pela Sétima Arte desde que assisti pela primeira vez ao clássico “Ben-Hur” (1959), dirigido por William Wyler e com Charlton Heston protagonizando a famosa cena da corrida de quadrigas.

Eu tinha quatro anos quando minha mãe me apresentou o filme. Ao longo da minha infância, devo tê-lo revisto umas três vezes, o que me ajudou a estabelecer um elevado padrão do que era qualidade no cinema. Com sete anos, eu li o livro original de Lew Wallace, numa versão editada, direcionada ao público jovem, e, como já tinha a história do filme memorizada, inclusive com as músicas, transformava a minha mente em um enorme estúdio de Hollywood.

A minha adolescência foi típica de um rapaz tímido. Encontrava refúgio seguro no entretenimento escapista que a literatura e o cinema me ofertavam. De tanto ter assistido a filmes legendados, aprendi inglês sozinho, por osmose. Cheguei a dar aulas durante um tempo, com o intuito de conseguir a verba necessária para alimentar meu progressivo e insaciável desejo por conhecimento. Cantava árias de ópera na escola e procurava desesperado algum colega de classe que aceitasse conversar sobre meus ídolos na música: Elvis Presley e Frank Sinatra. Sem internet, era difícil reunir um grupo de pessoas que gostasse das mesmas coisas.

Os meus melhores amigos, na época, eram Woody Allen, Peter Sellers e Jerry Lewis. Pode parecer exagero, mas a verdade é que eu era tão introvertido que não conseguia levantar a mão na sala de aula para tirar qualquer dúvida com os professores. Eu era aquele rato de biblioteca e de sebos, o magricela esquisito que passava horas na seção de clássicos das locadoras de vídeo.

Numa época anterior à internet, como não tinha dinheiro, quando não encontrava o livro que queria em sebos, eu ia lendo a obra dentro das livrarias em várias visitas. A única pobreza que limita o homem é a de caráter. Comecei a fazer teatro ainda adolescente e, inspirado pelas inúmeras possibilidades que a fantasia do cinema oferecia, comecei a sonhar alto – e tentar viver de arte, sem nenhum parente na área ou qualquer ajuda externa que não fosse conquistada por mérito.

No ano de 2002, já como publicitário formado, eu surpreendentemente acabei em um palco de teatro, sendo dirigido pela atriz Zaira Zambelli. Atuei em peças como “Não Pensa Muito Que Dói” e “Eu Sei Que Vou Te Amar”. No momento em que desisti de tentar ser aquela pessoa que meus colegas gostariam que eu fosse, com seus intermináveis e enfadonhos papos sobre futebol ou sobre música de qualidade extremamente duvidosa, passando a aceitar plenamente minha intuição, tive o prazer de conhecer a mim mesmo. Daquele ano para cá, atuei em algumas peças, inclusive escrevendo e dirigindo uma, intitulada “O Júri” (2010), baseada no clássico filme “12 Homens e Uma Sentença”, de Sidney Lumet.

Por volta de 2003, comecei a cantar em alguns eventos, os repertórios de Elvis Presley, de Frank Sinatra, entre outros, o que faço até hoje e me traz uma enorme satisfação. Em um curto espaço de tempo, apenas dez anos, consegui reverter completamente minha vida, tudo graças ao amor pelo cinema.

Hoje, atuando profissionalmente como escritor, crítico, ator e cineasta independente, sigo tentando honrar os sonhos daquele menino de outrora que me sorria pelo reflexo do espelho. 

GMM: Em que momento você começou a escrever críticas sobre cinema e como foi o processo de construção dessa carreira?

OC: Eu gostava de escrever sobre os filmes já na adolescência, sem pretensão alguma. Nem imaginava que, na minha realidade, trabalhar na área seria algo possível. Eu devorava, na infância, as revistas CINEMIN, SET, VÍDEO NEWS e SCI-FI NEWS. No jornal, só me interessava pela seção cultural. Este universo era muito presente no meu cotidiano. Então, como já escrevia bastante, foi algo natural. 

A coisa começou a ficar séria mesmo em 2008. Comecei em blog, e o meu trabalho rapidamente chamou a atenção do editor do extinto site CINEMA.COM. A partir daí, virou profissão mesmo. Eu tinha uma coluna em que abordava filmes de todas as épocas, nacionalidades e gêneros, e passei a ser remunerado pelas críticas dos lançamentos da semana nas salas de cinema. Nesta época, muitos artistas estrangeiros estavam vindo ao Brasil para divulgar seus projetos; então, tive a oportunidade de, logo no início da jornada, viver a emoção de cobrir festivais e pré-estreias. Entrevistei Viggo Mortensen, Jim Carrey, Hugh Jackman, Charlotte Rampling, Antonio Banderas, Salma Hayek, Robert Downey Jr., Bill Pullman, entre outros. 

Atuei como colaborador em outros veículos, cheguei a fazer uma crítica para o site OMELETE, foi um período muito bacana. Escrevi textos de aberturas de premiações, textos para vários catálogos de mostras. Escrevi também no JORNAL DO BRASIL sobre os lançamentos da semana. Cobri o Oscar para eles, mas eu percebi que a área no Brasil é ideologicamente contaminada. Você só consegue crescer e ocupar espaços se compartilhar da mesma cartilha política, aí desanimei um pouco, comecei a ser boicotado. Seguro da qualidade do meu trabalho, abandonei a estrada principal e me embrenhei pelo caminho independente, para manter minha liberdade criativa. 

Hoje em dia, com o processo de infantilização da sociedade, muitos nem enxergam a crítica de cinema como um trabalho, não entendem a sua importância, as suas raízes na filosofia. Valorizam mais o influencer adolescente (sem estofo cultural) que dá dicas no TikTok. Por conseguinte, tudo ficou mais difícil. A única certeza que tenho é de que não vou me submeter profissionalmente à imbecilização moderna, não vou corromper minha ética para lucrar mais. Eu sou um escritor e vou seguir lutando, ainda que reste ao final apenas uma leitora: a minha consciência.

GMM: Quando você se descobriu um artista e de que forma isso transformou a sua vida?

OC: Eu fui uma criança extremamente tímida, introvertida, algo quase doentio, mas o meu oxigênio era composto por filmes e livros. Na escola, eu imaginava que câmeras estavam registrando cada cena, tentava conversar sobre esses temas, mas não encontrava colegas que gostassem das mesmas coisas. Logo, nunca fui popular, sofria bullying constante. Eu era o magricela de óculos, esquisito, que passava a hora do recreio encostado na parede lendo; o garoto que parecia ter saído de uma máquina do tempo ou caído de um disco voador. Se você me visse naquela época, jamais imaginaria que eu subiria num palco, nem para arrumar o cenário. 

O lado artista se insinuava nos momentos em que eu escrevia nas aulas de Redação, mas eu achava que estava apenas me divertindo com o que eu amava e fazia com facilidade. Não era um transtorno, como para o resto da turma. A única vez em que fui levado à sala da diretora foi porque tentei educadamente fazer a professora entender que aqueles livros (bobinhos) que a garotada precisava ler para fazer tarefas de interpretação de texto não estimulavam ninguém a amar a leitura. Eu indiquei títulos que lia em casa, histórias detetivescas. Ingenuamente, buscava transformar aqueles colegas em potenciais amigos, mas a professora se sentiu incomodada e me mandou à diretoria. Eu nem sabia onde era a sala. As amigas da limpeza (chocadas com o meu envolvimento na situação) me guiaram pelos corredores. 

Já na adolescência, até como forma de minimizar a timidez, entrei para a aula de teatro (2002). A professora era a Zaira Zambelli. Acho que foi neste momento que comecei a me enxergar como artista. Eu atuei e cantei na peça. Logo, tomei coragem para cantar sempre que possível, em festas de família, em eventos, e a coisa foi tomando forma. Mas a transformação radical mesmo veio vários anos depois (2010), em outro curso de teatro, quando “virei a chave” que me guia até hoje. 

A situação foi a seguinte: o curso prometia ao final a realização de uma peça e de um curta-metragem (este havia sido o meu objetivo ao entrar nele), mas, como quase tudo que acontece neste país, tudo deu errado. Fomos informados pelos supervisores, já nos meses finais, de que o curta não seria feito e, que, para piorar, a peça escolhida era a mais óbvia possível. Eu me recordo vividamente da noite em que um dos professores nos informou sobre o problema. A turma toda se entristeceu. Até que comecei a sentir uma tremedeira no corpo todo, cena de cinema mesmo, levantei o braço e pedi a palavra. 

“Eu vejo que o problema no caso do curta é financeiro, certo? E se eu escrever o roteiro de uma história que se passa apenas em um ambiente, que possa ser filmada em, no máximo, duas tardes, uma comédia no estilo do Woody Allen da década de 70? Se eu entregar este roteiro amanhã à noite, podemos filmar?”

O professor ficou boquiaberto, a turma esboçou aquele sorriso de surpresa, o tempo parou por alguns segundos que pareceram uma eternidade. Todos aceitaram o desafio. Eu atravessei a madrugada escrevendo o roteiro. Na noite seguinte, estava lendo-o para a turma. Resumindo, o curta (intitulado “Todos Por Um”) foi feito, eu assumi o posto de assistente de direção, já que, por uma vida inteira apaixonado por cinema, enxergava nitidamente as opções de enquadramento, direção de atores, em suma, carreguei nas costas a responsabilidade. E no caso da peça? Com a confiança que a turma depositou em mim, tomei coragem de pedir novamente a palavra.

“E se eu escrever uma peça, baseada em ‘12 Homens e Uma Sentença’, algo que realmente desafie cada aluno?”

A turma amou a ideia, pois alguns já conheciam o filme clássico de Sidney Lumet, e ficaram muito empolgados. Alguns dias depois, entreguei a peça (já com instruções de iluminação do palco e direção do elenco). Começamos a ensaiar na mesma semana. Há um registro em vídeo da homenagem que a turma fez ao meu esforço no final da apresentação. Foi um ano mágico. Os supervisores do curso ficaram visivelmente incomodados com a minha audácia, mas eu precisava tomar esta atitude.

GMM: Em que fase a leitura entrou na sua vida e qual a importância dela para você?

OC: Os meus pais dizem que comecei a ler muito rápido. Uma das minhas primeiras lembranças relacionadas ao tema é a visita frequente dos vendedores do saudoso “Círculo do Livro”, um clube de assinatura. Eu ficava no colo da minha mãe olhando fascinado para as capas nas páginas do catálogo. 

O curioso é que eu nunca fui normal, não comecei com livros infantis ou os quadrinhos da Turma da Mônica. Apanhava os livros do clube que ficavam na estante da sala, deitava no sofá e ficava lendo por horas. Com 7, 8 anos, eu lia Agatha Christie, Sidney Sheldon, livros de contos de terror. Quando visitávamos parentes, enquanto os primos corriam pela casa, eu, muito introvertido, preferia ficar lendo os livros que pegava nas estantes deles. 

Eu me recordo vividamente de passar noites de véspera de Natal, na casa dos meus avós maternos, lendo Machado de Assis (meu avô tinha a coleção completa dele). Pedia (todo tímido) o livro emprestado para continuar a leitura na minha casa. Na casa de uma tia, devorei durante uma tarde “O Velho e o Mar”. Ela ficou tão impressionada que me deu o seu exemplar de presente naquela noite. 

Na época do primário, levava para a escola títulos como “Operação Cavalo de Tróia”, de J.J. Benítez, o divertido “Rosy, Minha Parenta”, de Gerald Durrell, ou uma versão de “Ben-Hur”, de Lew Wallace, editado para o público infantojuvenil. Ficava lendo na hora do recreio, entre uma aula e outra. Eu me lembro que comprei por um valor irrisório na Bienal do Livro (numa excursão escolar) uma edição antiga de “O Exorcista”. Fiquei feliz da vida (já tinha ficado apavorado com o filme). O restante da turma ficou cantando pagode na volta de ônibus, mas eu passei a viagem toda babando na capa e folheando, ansioso, com aquela sensação de borboletas no estômago que sinto até hoje em meus garimpos culturais pelos sebos.

Claro que também lia revistas em quadrinhos. Os meus favoritos neste período inicial eram “Super-Homem”, “Batman”, “Conan, o Bárbaro”, “Homem-Aranha”, “Wolverine”, “Tex” e “Fantasma”. Havia um jornaleiro na rua da escola. Eu passava lá todo dia, antes e depois das aulas. O Paulinho era um amigo, reservava as revistas, deixava eu pagar no final do mês (deixava de comer lanche para juntar dinheiro para comprar os gibis, bolsilivros de faroeste e aquelas eventuais revistas que vinham com filmes em VHS encartados, como quando a CARAS lançou a coleção completa de 007). Outra lembrança boa: aguardava ansioso chegar nas bancas a Isaac Asimov Magazine, com contos de ficção científica. Tenho todas até hoje.

Eu me divertia muito nas aulas de Redação. A turma inteira odiava, mas era a única aula de que eu realmente gostava. Nos exercícios, os coleguinhas lutavam para preencher o mínimo de linhas com “João e Maria foram na padaria…”, enquanto eu (tremendo de emoção) criava historinhas elaboradas de terror, fantasia espacial, com reviravoltas (a intenção era fazer a professora ficar impressionada no desfecho), ultrapassava as linhas e seguia as tramas na parte de trás da folha (por vezes, preenchia ela inteira). Eu me divertia lendo o que a professora escrevia ao lado da nota, elogiando minha criatividade. 

Quando a escola (de freiras) criou um concurso de poesia, concorri com alunos muito mais velhos e venci. Achei que aquilo tornaria minha vida lá mais fácil (sofria bullying diário), mas não me tornei popular, as garotas da turma só tinham olhos para os rapazes que jogavam futebol (vale ressaltar que não suporto futebol). A professora, no entanto, ficava encantada, pedia chocada para eu cantarolar árias de ópera (na época em que o disco dos Três Tenores era minha Xuxa). Eu não fui uma criança comum, já conheci gente que disse que eu sou uma “alma velha”. Não sei explicar, não houve um estímulo especial. A vida teria sido muito mais fácil se eu tivesse forçado uma adequação desajeitada ao padrão, mas não seria feliz de outra forma.

A importância da literatura em minha vida? É oxigênio. Amo ler, amo a palavra escrita. Tenho hoje na coleção mais de 3 mil livros, tudo catalogado numa planilha. Como o espaço é pequeno, guardo grande parte em armários lotados. Muitos estão empilhados por vários ambientes do apartamento, uma bagunça organizada. 90% adquirido ao longo dos anos em sebos. Nunca tive grana (sendo escritor no Brasil, a situação financeira ainda é muito difícil), então pego livro abandonado no lixo, molhado de chuva na calçada, de todo jeito. Já salvei vários. Trocando em miúdos, ando nas ruas procurando livros…

GMM: Quais são os escritores, vivos ou mortos, que mais lhe marcaram? Há algum que você considera um mestre ou referência constante?

OC: Esta é uma pergunta muito difícil, mas vou tentar ser o mais objetivo possível. Quando criança, Agatha Christie, Arthur Conan Doyle (Sherlock Holmes foi um dos meus primeiros heróis na cultura), Monteiro Lobato, Júlio Verne, “Os Meninos da Rua Paulo” (de Ferenc Molnár), eu amava as histórias da Coleção Vagalume (ressalto aqui todos do Marcos Rey, Maria José Dupré e da Lúcia Machado de Almeida). Eu lia também muitos bolsilivros de faroeste, então preciso citar Lou Carrigan (pseudônimo de Antonio Vera Ramírez) e Marcial Lafuente Estefanía. 

Na transição para a adolescência, conheci Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Philip K. Dick, os contos de Ray Bradbury, fiquei viciado em Ian Fleming (já amava os filmes do 007), Charles Portis (a leitura de “Olho por Olho” me marcou), o “Drácula” de Bram Stoker, aqueles livros de RPG: “Aventuras Fantásticas” (de autores como Steve Jackson e Ian Livingstone). O período da adolescência foi intenso no sentido literário: li de tudo, procurei os clássicos, tomei contato com os grandes autores, Dostoiévski, Kafka, Camus, Proust, Joyce, Hugo, Dickens, Steinbeck, Orwell, Poe, Mann, Saramago. O meu ambiente de estudo apaixonante era o meu quarto. Tinha a consciência de que tudo fora dele era apenas memorização rasteira para atingir as notas necessárias.

O meu livro favorito naquele período era “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas. A forma como ele utiliza as palavras, como ele alonga a narrativa com elegância, a imersão emocional é completa. Eu realmente me esquecia do mundo enquanto viajava nas páginas. Outra autora que marcou minha vida na época da faculdade foi Ayn Rand. Os livros de Alexander Soljenítsin também me marcaram profundamente na época.

Um autor que amo ler, tenho praticamente tudo dele, é o Georges Simenon. Gosto muito do seu estilo. Outro que me fascina, já citei ele, Asimov, que releio constantemente. Amo J.R.R. Tolkien. Amo Dashiell Hammett, Raymond Chandler, James M. Cain, John Le Carré, Edgar Wallace, Boileau-Narcejac, entre muitos outros.

GMM: E em relação aos cineastas?

OC: O difícil neste tipo de pergunta é manter a objetividade. Vou esquecer vários, mas amo a arte de Woody Allen (todas as fases dele), Chaplin, Hitchcock, Bergman, Kubrick, Truffaut, Kurosawa, Ozu, Gosha, Ford, Lumet, Coppola, Demy, Buñuel, Capra, Fellini, Wilder, Scorsese, Forman, Eastwood, Tarkóvski, Spielberg, Hughes, Tati, Polanski, Stevens, Melville, Hawks, entre outros. Eu estou tentando seguir o coração, sem pensar muito. 

No cinema brasileiro, Anselmo Duarte, Walter Hugo Khouri e José Mojica Marins, esta é minha tríade. 

No cenário atual, apesar da qualidade do cinema como um todo ter caído bastante, gosto muito da arte de Denis Villeneuve, Christopher Nolan e Joseph Kosinski.

GMM: O que você busca nas suas produções (críticas, crônicas, filmes), mas, especialmente, nos seus livros?

OC: Eu busco honrar a minha passagem nesta experiência incrível que é a vida, expressar a minha verdade, resgatar valores esquecidos. Nos textos sobre cinema, estendo a mão para o menino de outrora que ficava horas na locadora de vídeo, realizo o sonho dele. Nos curtas, eu me divirto realizando o sonho do mesmo menino que inventava histórias nas aulas de redação. 

O primeiro (Übermensch) é puramente experimental. O desafio era criar algo sem diálogos, filmado com uma câmera amadora, editado/montado no Windows Movie Maker. Quando o filme foi selecionado para festivais, como o “Figueira Film Art”, competindo com curtas generosamente patrocinados, senti um orgulho tremendo.

O desafio do segundo (Teresa) era ser filmado em apenas uma tarde, em um ambiente fechado, com o roteiro sendo criado de forma improvisada a partir de uma ideia simples. A filmagem já foi feita com uma câmera profissional, com uma edição/montagem tradicional, mas o espírito dele é indie. A obra foi selecionada para o “Figueira Film Art” e foi muito elogiada pelo público presente na sessão.

O terceiro (Nocebo) já segue a estrutura tradicional, um drama familiar que conta com um desfecho inesperado que foi muito aplaudido no “FESTin”, em Lisboa, onde teve a honra de ser selecionado (fora de competição) na “Mostra Brasileira de Cinema”, o único projeto independente e de baixo orçamento ao lado de longas e curtas de grandes estúdios.

O quarto (Se) é o de temática mais pessoal, intensamente emotivo, humanista e poético, a obra mais querida pelo público nas exibições que fiz no Cine Joia (RJ). O filme foi selecionado no festival “Cine Amazônia”.

O quinto (Sacrifício) é minha homenagem ao meu gênero de formação enquanto cinéfilo, o terror, filmado na casa do meu saudoso avô materno, onde passei boa parte da minha infância. Tive a honra de dirigir minha primeira professora de teatro, a grande Zaira Zambelli, parceria que se manteve no trabalho seguinte.

O sexto (Cinéfilo) é o mais ambicioso, inclusive financeiramente. Fizemos viagens (sem patrocínio algum), várias locações, um processo que levou meses (enquanto que os anteriores eram filmados em dias ou, no máximo, duas semanas). É uma trama que celebra a beleza do conservadorismo, a importância de se lutar pela preservação da memória cultural. E, claro, uma carta de amor ao próprio cinema em seus variados gêneros.

O sétimo (Verdade?) é um projeto que foi chamado pela equipe nos bastidores de “O Revide dos Lúcidos”. Filmado em dois dias, sem dúvida o roteiro mais corajoso de todos. O único com uma fundamental cena pós-créditos.

E sinto um orgulho especial pelo curta mais recente, em que firmei o pé, enquanto o mundo caía no abismo da enganação, expondo as engrenagens do que estava acontecendo. Neste filme específico, o que me motivou foi a necessidade de deixar registrado para a eternidade que (na vida e na arte) eu não fiz parte do problema, que não me submeti, e, mais que isto, incentivei outrem a quebrar as correntes do medo.  

GMM: Quais são suas principais publicações, seja em livro ou na internet, e onde o público pode encontrá-las?

OC: O público pode encontrar todo o meu trabalho como crítico de cinema no blog www.devotudoaocinema.com.br. Como escritor, lancei até o momento quatro livros. O primeiro, “Devo Tudo ao Cinema” (2013), está fora de catálogo, mas pode ser encontrado em sebos, na Estante Virtual e no Mercado Livre. 

O segundo, “A Arte do Guerreiro Lúcido” (2017), pode ser encontrado com facilidade na Amazon. Ainda tenho alguns que posso enviar com dedicatória (entrem em contato comigo no Facebook ou pelo e-mail: cinevertigo@gmail.com). O terceiro, “Aos Lúcidos, caso ainda haja algum por aí…” (2022), você encontra em formato digital na Amazon. O livro mais recente, “8 Passos Para a Reconstrução da Esperança” (2025), um ensaio filosófico, também posso enviar com dedicatória.

Livros do autor:

GMM: Como surgem as suas críticas a respeito dos filmes? De que forma você faz a escolha da produção a ser abordada? Existe algum processo criativo, ritual ou circunstância que favoreça sua escrita?

OC: Quando comecei a atuar profissionalmente na área, em 2008, a liberdade era plena, eu praticamente aceitava todos os convites de cabines para imprensa (quando o crítico é convidado para assistir ao filme numa sala de cinema, no horário da manhã, semanas antes da data da estreia), inclusive projetos obscuros (muitas vezes eu era o único na sala), aqueles que seriam lançados em poucas salas e que, em teoria, não seriam atraentes para o grande público, logo, grande parte dos colegas veteranos de veículos consolidados dispensavam. 

Quando escrevi em veículos maiores, o processo era mais complicado. Há sempre aqueles que são favorecidos (enviados para cobrir filmes com apelo popular). Eu não podia escolher. Neste momento, comecei a perceber que o caminho independente era mais recompensador. O “jogo” é sujo, há muita “puxada de tapete”, oportunismo. O jornalismo cultural não é um ambiente saudável para sonhadores honestos e que levam a sério a arte. A internet ajudou muito neste sentido, libertou, quebrou “panelinhas”. Todo profissional competente pode “ter voz” hoje, conquistar seu público. 

No momento em que foquei no meu blog, já faz alguns anos, voltei a ter a liberdade do início. E, com a experiência, passei a selecionar melhor o material. Obviamente levo em conta hoje a demanda, já que a minha remuneração financeira depende do interesse genuíno do público. Se a pessoa não clica no link para ler meu texto, eu não recebo nenhum centavo. O meu público é majoritariamente adulto. Quando escrevo sobre super-heróis, por exemplo, o acesso é baixo, então evito dedicar tempo na análise de obras deste gênero. Outros gêneros que são pouco prestigiados pelo público da página: terror e ficção científica. Eu amo, eles foram meus gêneros de formação como cinéfilo na infância e adolescência, mas atualmente preciso selecionar, escrevo sobre eles quando eu me deparo com algo realmente maravilhoso.

O meu processo de análise crítica envolve o equilíbrio entre racional e passional, não é fácil, mas a prática facilita. Se o elemento emocional (a eficiência na transmissão da mensagem, os simbolismos etc.) fala mais alto que os aspectos técnicos, tendo a me debruçar na escrita livre, até me reconecto com minhas raízes na poesia. Busco primordialmente tocar o coração do leitor, fazer com que ele se importe, e, ao longo da jornada, desenvolvo a crítica, tocando em pontos técnicos, sem firulas, sem enrolação. Quando o elemento técnico (atuação, fotografia, montagem etc.) fala mais alto, tendo a enxugar ao máximo o texto, pois tenho a consciência de que não estou escrevendo apenas para cinéfilos dedicados que estudam o tema, a maioria quer apenas saber se, pelos meus critérios, vale a pena o valor do ingresso ou (no caso dos streamings) o tempo na frente da tela.

Agora, no tocante aos filmes antigos, a minha escolha é puramente prazerosa. Não há uma regra, vai muito do meu estado de espírito no momento. Como, por hábito desde menino, assisto a pelo menos um filme por dia, normalmente escrevo sobre a pérola que revi no dia anterior. Sendo assim, posso abordar todos os gêneros, filmes da era do cinema mudo (que infelizmente geram poucos cliques), besteirol, o único compromisso é com o meu divertimento. 

A escrita, por si só, como é algo que pratico desde muito pequeno, flui bem, preciso apenas do silêncio. O local onde moro é barulhento, este é um dos problemas que enfrento, mas, da mesma forma que preciso respirar, preciso escrever e ler, então dou um jeito.

O único ritual é algo que já faço normalmente na vida. Sou esquisito, o meu celular é antigo (não participo de grupos de Whatsapp), quase não encosto nele (o comum é minha esposa me avisar que ele está descarregado há dias). Trabalho apenas no notebook, então, quando estou assistindo a algum filme, não há interrupções. Eu me emociono com as sutilezas da obra, vivo a experiência como ela era vivida na década de 90. Quando estou tranquilo, preparo sessões noturnas com 2, 3, por vezes até 4 filmes, de diferentes épocas, nacionalidades, propostas, por exemplo, um curta-metragem cômico de Buster Keaton, um drama sueco, um musical italiano e, sei lá, “Kickboxer 4”, fazia ainda mais na adolescência, na época das fitas VHS.

É mais ou menos a mesma atitude que tenho com a literatura, a minha outra paixão. Uma pilha de uns 5 livros (de diferentes propostas) na mesa ao lado, uma xícara de café e estou no céu. Já atravessei muitas madrugadas nesta viagem sensorial. Ah, e não uso post-its, não marco nada com lápis. Entro de cabeça na leitura (da mesma forma que faço com um filme), esqueço da vida, não interrompo por nada…

GMM: Que projetos artísticos você sonha realizar nos próximos anos?

OC: Na luta pela sobrevivência financeira neste país, até sonhar é difícil, mas quero seguir lançando livros (já estou trabalhando no próximo) e pretendo produzir mais um curta em 2026. Sonho em roteirizar/dirigir um longa-metragem, caso ganhe na loteria algum dia (risos), ou algum mecenas se disponha a me ajudar neste propósito. A triste realidade do Brasil é que, por mais que o profissional tenha operado milagres ao longo da vida, pouco importa. As oportunidades não aparecem, e, quando você cria algumas, verdadeiras flores que rompem o asfalto, poucos valorizam. Não há ambiente intelectual/cultural saudável para quem leva a sério a arte. E, vivendo no Rio de Janeiro, a situação só se torna mais problemática. 

O esforço diário é para não deixar morrer em você a força criativa; então, posso afirmar que meu sonho mais importante é preservar esta fagulha, apesar de tudo, para que o velhinho de amanhã siga sorrindo no reflexo do espelho.

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