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Palavra & Prosa: conversa com a escritora Ivy Menon

Ivy Menon, advogada, pós-graduada em Filosofia e Teoria do Direito, além de jornalista, teóloga e pós-graduanda em Psicanálise. Publicou três livros de poesia (“Flores amarelas”, “Matemática das algemas” e “Olhos de mandrágora”); um de crônicas, “Asas de terra e sangue”; e um romance, “Mar fechado Mar aberto”, em parceria com Ângela Zanirato. Aposentada da Justiça do Trabalho, mora em Rio Negro-PR.

Guilherme Mossini Mendel: Quem é Ivy Menon? Como você se apresenta e se define para o público?

Ivy Menon: Ivy Menon é um complexo amontoado de átomos decodificado pela consciência do todo, no cosmo. É uma menina que pensa que se conhece, mas se descobre outra todo dia. Para o público, sou a que vive de forma leve, verdadeira e transbordante de alegria. Sou também a vovó dos sete netos mais lindos do planeta Terra, especialista em bolinhos de chuva, louca pela casa da árvore – minha pequena república da infância eterna.

GMM: Quando e com quem você descobriu a poesia, e em que momento percebeu que era poeta?

IM: Por ter sido boia-fria até os vinte anos, cresci distante dos livros. Aos doze, fui trabalhar como doméstica na casa da minha professora do quarto ano primário. Foi ela quem me apresentou e me emprestou “Reinações de Narizinho”, de Monteiro Lobato. Uma grande fogueira que se acendeu e me atraiu para dançar em volta do fogo. A coisa mais linda e mais sublime que eu havia conhecido até então.

Depois, no ginásio, vieram “Rosa de Hiroshima”, gravada por Secos & Molhados, “A Banda”, de Chico Buarque, e outros que o professor de Língua Portuguesa e Literatura escolhia para interpretarmos. Lembro-me bem de Cecília Meireles, que me impressionou e que li na bibliotecazinha da cidade.

Comecei a escrever trovas pelos quinze anos, primeiras fagulhas dos poemas que me escolhiam e que eu – por timidez – escondia debaixo do colchão. Até hoje temo me autodeclarar poeta.

GMM: Em que ocasião a leitura entrou na sua vida e qual a importância dela para você?

IM: A leitura entrou na minha vida em duas fases. A primeira, na infância, com o livro emprestado pela professora. A segunda, e mais intensa, foi quando saí da roça e me mudei para Maringá. Lá, a literatura me ofereceu um mundo novo e fascinante, feito de espantos e descobertas.

Fui trabalhar, inicialmente, como secretária em um jornal da cidade. Em seguida, comecei a escrever e publicar algumas coisas. O Diário do Norte do Paraná tinha parceria com grandes editoras que enviavam livros para divulgação, os quais, depois de divulgados, tornavam-se nossos para leitura. Assim, conheci Fernando Sabino, Fernando Moraes, Fernando Veríssimo, Rachel de Queiroz e Clarice Lispector.

E foi em O Diário que escrevi meus primeiros poemas. Com um deles, que fiz em 1980, venci, em 2006, o Primeiro Concurso Carioca de Poesia, cuja final aconteceu ao vivo e em cores na Academia Brasileira de Letras. Foi então que tive meu primeiro livro de poesia publicado.

(Obs.: Quando tinha 15 anos, uma amiga me emprestou o “Emanuelle”… quase desmaio de tanta informação erotizada e absolutamente desconhecida para mim. Não gostei (risos). Sorte minha conhecer os Fernandos, cinco anos depois.)

A leitura é essencial para mim. O conhecimento, a fantasia, a capacidade de compreensão do mundo, a riqueza do vocabulário, a base para a escrita, tudo vem dos livros. Da leitura.

Tornei-me leitora contumaz. Absolutamente fascinada – viciada – em livros.

GMM: Quais poetas, vivos ou mortos, que mais lhe marcaram? Há algum que você considera um mestre ou referência constante?

IM: O primeiro, que me enlouqueceu de ternura e fascinação, foi (e é) Mario Quintana. Eu o conheci em 1986, porque ganhei um livro dele, como presente de aniversário, de um amigo que fazia Academia de Polícia comigo (sim, fiz academia de polícia, fui a primeira colocada da turma e tirei 10 em tiro, rsrsrs).

Depois, me apaixonei por Augusto dos Anjos. Sei que são poeticamente opostos – Quintana com sua ternura e lirismo, e Anjos com seu pessimismo denso –, mas ambos me tocaram pela profundidade. E segui lendo: Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado e Ana Cristina Cesar… Só, então, a partir do Orkut, tive oportunidade de contatar com a poesia e com os poetas contemporâneos. E fui aprendendo com eles.

GMM: O que você busca na sua poesia? Qual é a sua intenção ou desejo ao escrever?

IM: Será que os poetas sabem o que buscam na poesia? Ou será que buscam a poesia para acalmar a imensa angústia que as buscas geram? Para aplacar a angústia existencial?

Não penso no poema quando escrevo. Creio que, na escrita, libero as dores, alegrias, os medos. Prendo os monstros que ameaçam se mostrar acima das águas. E, especialmente, enfrento a inexorabilidade da morte. 

GMM: Para você, o que torna um poema realmente bom? E qual é o favorito dentre os poemas de sua autoria? Poderia nos mostrá-lo, por favor?

IM: Um bom poema nasce do particular para tocar o universal. É o que alcança muitas pessoas, mesmo que não pertença à experiência de todas elas.

Tenho alguns favoritos. Deixo dois para que você escolha qual deles habita melhor o mundo.

Quasímodo


o menino carvoeiro anda
torto de pretume e fuligem
buscando forças para o próximo passo

não o impressionam
nasceres e pores de sóis
peso às costas
chão duro
olhos baixos

o menino de carvão se pinta
máscara cinza no rosto
não há sonhos
arco-íris
faz-de-conta

o menino raquítico usa músculos
dores lhe escorrem pelos dentes falhos
falta-lhe fala

o menino do carvão sabe
o mundo é preto e branco
como o feijão-com-arroz do dia ganho

mas, ultimamente,
tem visto estrelas no céu
pontilhando caminhos possíveis

a fuligem no nariz faz cócegas
e ele ri para o mundo de estrelas
  

mapa das mãos da minha mãe


mapa das mãos da minha mãe

minha mãe desnasceu artesã
nada sabia da beleza das retas
suavidade nas curvas das linhas e agulhas
e me ensinou ponto cheio
rococó escama de peixe
quase aprendo o ponto atrás


do ventre dela desnasci artesã

observo a colcha de retalhos
herança torta
o forro frouxo desigualado nos cantos
entendo o mapa de suas mãos
e seus olhos apavorados com o frio

minha mãe nunca soube costurar belezas 

conhecedora de matemática
vivia de multiplicar pão
e transformar miséria em aconchegos
nela me vejo
:

minha mãe era especialista em construir espelhos
  

GMM: Na sua visão, qual é a importância da poesia na vida das pessoas?

IM: A poesia, ao mesmo tempo que resume, alarga a vida. A poesia, ainda que a grande maioria das pessoas não a compreenda, está presente em tudo que compõe o Universo observável e nossos misteriosos desconhecimentos. Também, habita nosso cosmo interior e particular. Somos cercados de poesia. O amor é poesia. A matemática é poesia pura. “Vivemos e nos movemos” no colo, no coração e nas asas da poesia. Para mim, tudo é poesia, o tempo todo. E, ainda que caminhe pelo mesmo lugar dezenas de vezes, ouça os mesmos sons – músicas –, sinta os mesmos perfumes, prove os mesmos sabores, toque asperezas e delicadezas, sinta tristezas, dores e transbordamentos de alegria/felicidade, a Poesia será sempre única para cada experiência. 

A poesia tem o poder de ativar a sensibilidade para que sejamos e nos aceitemos, enfim, “humanos, demasiadamente humanos”.

GMM: Como nasce um poema para você? Existe algum processo criativo, ritual ou circunstância que favoreça a sua escrita?

IM: Alguns poemas chegaram às finais de prêmios importantes, sendo que um deles venceu.

Na maioria das vezes, escrevo o poema em menos de dois minutos. Depois, releio, mudo algumas coisinhas, substituo termos por outros que sejam mais abrangentes, mas, no geral, nascem prontos. Se precisar de fórceps para vir à luz, eu desisto. Poema que não quer nascer não é meu.

GMM: Quais são as suas principais publicações, seja em livro ou na internet, e onde o público pode encontrá-las?

IM: Tenho muitas crônicas e poemas espalhados pela internet — em tantos sites que já nem sei. Nas redes sociais, especialmente no Facebook – porque aceita textões –, tenho publicado mais: 

Facebook: https://www.facebook.com/share/183EacaT5g

Instagram: @ivy_menon

Livros publicados:

Flores Amarelas (poesia, Multifoco, 2007)

Asas de Terra e Sangue (crônicas, Arribaçã, 2021)

Matemática das Algemas (poesia, Camino, 2021)

Mar fechado mar aberto (romance, com Ângela Zanirato, Rizoma, 2023)

Olhos de Mandrágora (poesia, Patuá, 2024)

GMM: Que projetos literários você sonha realizar nos próximos anos?

IM: Dois romances estão em andamento: um pronto para publicação, outro quase concluído. No próximo ano, eu e Silviani Muller Barone – escritor, cineasta, roteirista e advogado – escreveremos um romance a quatro mãos. Vai ser lindo. Poemas, já tenho para uns quatro livros. Mas, por ora, deixo-os repousar…

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